Última rodada na tasca da D. Esperança
Artigo escrito por: Nuno Madeira do Ó
Vai ser no Dubai, esse país cheio de tradição no mundo do Rugby XV, que Portugal vai lutar pelo bilhete dourado que dá direito ao apuramento para o Campeonato do Mundo (França, Setembro de 2023). O torneio de qualificação tem início no dia 6 de Novembro e os Lobos terão pela frente três seleções: Quénia, Hong Kong e Estados Unidos da América. O formato do torneio é round robin: todos contra todos e a equipa com mais pontos no final, ganha.
Neste artigo vamos tentar perceber melhor quem vamos enfrentar a caminho do sonho, bem como o estado da Selecção Nacional.
Portugal v Hong Kong, 6 de Novembro, 14h30 (hora de Lisboa)
Portugal chega a este torneio no vigésimo lugar do ranking da World Rugby e, na primeira partida, irá defrontar a seleção de Hong Kong, 22ª classificada. Os Dragões, como são conhecidos, chegaram a este torneio após perderam contra a Tonga (44-22) no jogo de apuramento da zona Ásia/Pacífico, naquele que foi o seu primeiro jogo desde Novembro de 2019, onde derrotaram a Coreia do Sul com uma penalidade no último minuto de jogo.
Esse é um dos aspectos que confere a Portugal vantagem neste encontro: desde o Campeonato do Mundo de 2019, Hong Kong jogou apenas… 2 (!) jogos enquanto que Portugal disputou 23 partidas. Tudo isto se deve à COVID-19 que paralizou o Asia Rugby Championship, torneio que coloca anualmente as equipas de Hong Kong, Malásia, e Coreia do Sul à prova.
Nenhum dos jogadores de Hong Kong joga nas principais ligas Europeias (Premiership, Championship, Top-14, ProD2, URC), com a larga maioria a jogar apenas na liga doméstica (campeonato que conta apenas com seis clubes). Hong Kong nunca se qualificou para o Campeonato do Mundo e Portugal tem francas hipóteses de vencer este encontro e começar da melhor maneira o torneio de qualificação.
Portugal v Quénia, 12 de Novembro, 12:00h (hora de Lisboa)
A seleção Queniana chegou ao torneio de qualificação no 33º lugar do ranking mundial. Os Simbas disputaram a Taça de África 2022 onde bateram a Argélia num jogo de “loucos” por 36-33, antes de enfrentarem e perderem (34-0) contra a Namíbia na final.
À semelhança de Hong Kong, a variante de 7s é muito popular no Quénia, com a equipa nacional a ser uma das 15 equipas-base da World Series. O Quénia também não tem nenhum jogador a actuar nas cinco principais ligas europeias, com a maioria a jogar no campeonato doméstico – a Kenya Cup – competição amadora que conta com 11 equipas.
A seleção Queniana pode criar algum perigo a Portugal no ataque mas, pelo que vimos na Taça de África, apresenta algumas (bastantes) fragilidades na defesa, especialmente em fases estáticas. Se Portugal conseguir impor a sua presença no início da partida e conseguir cavar um fosso no marcador, a vitória não deverá escapar e poderá até descansar alguns jogadores para o último (e talvez decisivo) fim-de-semana da competição.
Portugal v Estados Unidos da América, 18 de Novembro, 15:30h (hora de Lisboa)
O último jogo do torneio irá opor as duas seleções melhor colocadas no ranking mundial, onde os Estados Unidos ocupam o 19º lugar. Os Eagles têm oito presenças no Campeonato do Mundo (falharam o apuramento apenas por uma vez, em 1995) e é com alguma surpresa que se encontram nesta situação.
E como é que isto aconteceu? Devido à pandemia, foi decidido que apenas os Estados Unidos e o Canadá iram disputar o acesso às duas das três vagas de acesso ao Campeonato do Mundo (uma das vagas já estava garantida pela Argentina).
No lado norte da América, os Estados Unidos defrontaram o Canadá a duas mãos e apesar de terem perdido o primeiro encontro (34-21), deram a volta na segunda mão e venceram com um agregado de 59-50, o que significava que os Estados Unidos defrontariam o Uruguai enquanto que o Canadá iria defrontar a seleção Chilena.
A primeira “surpresa” aconteceu quando os Estados Unidos, com uma vantagem de 19-16 na primeira mão, foram perder a Montevideu por uns esclarecedores 34-15, fazendo com que a equipa da casa se apurasse directamente para o Campeonato do Mundo.
Entretanto, o Chile derrotava o Canadá (56-36 no agregado) e colocava-se, assim, entre os Estados Unidos e a tão desejada presença em França. A primeira mão correu de feição aos Eagles (22-21) mas, num jogo com bastate emoção, os Condores levaram a melhor na segunda partida (31-29) e empurraram os Estados Unidos para o torneio de qualificação no Dubai.
Depois desta viagem pelo maravilhoso mundo do rugby americano, o que podemos esperar deste confronto?
Apesar de não estarem num bom momento de forma, os Estados Unidos são ainda um adversário bastante forte e que vai causar bastantes problemas a Portugal. Para além de uma liga doméstica professional e com bastante dinheiro (a Major League Rugby (MLR), que conta com 13 clubes), 10 dos seus internacionais jogam nas pricipais cinco ligas europeias. Entre eles, aquele que é talvez a principal ameaça americana: AJ MacGinty, médio de abertura dos Bristol Bears e que teve a sua formação na mesma escola (Blackrock College, Dublin)por onde passaram nomes como Brian O’Driscoll, Andrew Conway, ou Leo Cullen. MacGinty forma uma parceria muito perigosa com o seu médio de formação – Ruben de Haas (Saracens) – e Portugal não pode dar a estes jogadores espaço para pensar o jogo, sob pena de poder ser fatal.
No entanto, a qualidade dos jogadores que tem iniciado as partidas dos Estados Unidos e os que começam no banco não é a mesma e, em ambas as partidas contra o Chile, o seleccionador Gary Gold demorou a realizar qualquer substituição. Sabendo disto, o seleccionador Chileno aproveitou para deixar no banco jogadores pesados e com excelentes capacidades para avançar com a bola na mão, e conseguiu destruir por completo a equipa dos Estados Unidos nos últimos 20 minutos da partida.
Se Portugal conseguir disputar a partida nos primeiros 50-60 minutos e não quebrar no final (se calhar com um split 6/2 no banco?), tem bastantes hipóteses de se qualificar para França e dar aos seus adeptos a maior alegria de 2022.
Uma curiosidade acrescida para a partida: a World Rugby atribuiu a organização dos Campeonatos do Mundo de 2031 e 2033 (masculino e feminino, respectivamente) aos Estados Unidos e seria interessante ver como reagem se um dos futuros países organizadores ficar de fora do Campeonato do Mundo a oito anos de receberem a competição. Será que aumentariam o número de equipas na prova? Fica a questão no ar.
E Portugal?
A última vez que vimos os Lobos a jogar, foi na janela de Verão. Apesar de terem somado derrotas nos três jogos que fizeram (Itália 31-38; Argentina Jaguares 35-52; Geórgia 23-14), a equipa evoluiu de jogo para jogo e melhorou em certos aspectos que até aí se tinham revelado problemáticos (fases estáticas, performance nos últimos 20 minutos da partida). Desde aí, esteve reunida no Sul de França há cerca de três semanas para um bootcamp de preparação mas sem realizar nenhuma partida.
Relativamente aos jogadores, a habitual primeira linha (Fernandes-Tadjer-Alves) tem somado minutos em França, alternando a presença nos XV iniciais com alguns jogos a começar no banco. Na segunda linha, há a incógnita de quem irá fazer companhia a José Madeira (presença constante em Grenoble, premiada com mais três anos de contrato): Steevy Cerqueira passou do ProD2 para o Nationale mas tem somado bastantes minutos pelo Chambéry, Rafael Simões (jogos de muito bom nível, tanto a 8 como a 5) tem jogado como terceira linha pelos Lusitanos, enquanto que Duarte Torgal tem também estado a jogar bastantes minutos pela franquia Portuguesa.
A terceira linha tem bastantes opções: João Granate e David Wallis (com Rafael Simões a completar o trio) têm somado bastantes minutos (e boas exibições) pelos Lusitanos, onde as alternativas têm sido os jovens Xavier Cerejo e Manuel Picão. Lá fora, Thibault de Freitas (Floriac) somou os primeiros minutos da época depois de recuprar de lesão e existe ainda a curiosidade de ver o que Nicolas Martins (Angoulème) pode trazer à equipa.
A nove, Samuel Marques continua a ser essencial na manobra ofensiva do Carcassone e tem como alternativas Pedro Lucas e João Bello, que têm aproveitado da melhor forma os minutos jogados pelos Lusitanos. A 10, a situação é um pouco mais incerta: Jerónimo Portela não participou ainda em nenhum encontro dos Lusitanos, tendo somado os primeiros minutos da época pelo GD Direito na primeira jornada do Top10. Com Jorge Abecasis indisponível, a camisola 10 dos Lusitanos tem alternado entre Francisco Meneres e Tomás Appleton, o capitão que tem mudado de centro para médio de abertura.
De resto, (quase) tudo sobre rodas nos ¾ Portugueses: Raffaele Storti pegou de estaca em Bèziers, sendo o melhor marcador do ProD2 com seis ensaios marcados até ao momento. Rodrigo Marta ocupa a mesma posição no Nationale, também com seis ensaios marcados pelo seu novo clube Dax. Pedro Bettencourt (Oyonnax), José Lima (Narbonne), Simão Bento (Mont-de-Marsan) e Dany Antunes (Cognac) têm somado minutos e pontos pelos seus clubes enquanto que Manuel Cardoso Pinto e Nuno Sousa Guedes têm espalhado o terror pelas defesas contrárias em todos os jogos da edição deste ano da Rugby Europe Super Cup. A única má notícia tem que ver com Vicent Pinto que ainda está lesionado (embora na fase final da sua recuperação) e ainda não somou qualquer minuto esta época pelo seu clube Pau.
Com tantas opções e se conseguir atingir o nível demonstrado neste Verão, Portugal tem excelentes hipóteses de se apurar para o Campeonato do Mundo – o segundo da sua história – e confirmar ao Mundo a excelente qualidade que o Rugby nacional tem tido nos últimos anos.