Reportagem Especial
Parte III – As Jogadoras
Na terceira parte desta reportagem falámos com três jogadoras da Selecção Nacional e tentámos perceber um pouco melhor como entraram no mundo do rugby, como conseguem conciliar a vida académica e o desporto, e como vêem os dias que estão para vir.
O nosso obrigado a todos os envolvidos nesta reportagem (Francisco Goes, João Telhada, Mariana Marques, Márcia Santos e Antónia Braga Martins) pela disponibilidade e ajuda – sem eles não teria sido possível escrever esta peça.
Idade: 22 anos
Posição: Centro (13 e 6)
Clube: AEESAC
Internacionalizações: 13
Idade: 24 anos
Posição: 2ª Linha/ Asa
Clube: SL Benfica
Internacionalizações: 4
2 pela Seleção Nacional XV de Portugal
2 pelo SL Benfica, Torneio Flandres 2018, 2019
Títulos: Taça de Portugal 2017
Campeã Torneio Flandres 2018
Idade: 24 anos
Posição: Centro/Ponta
Clube: Clube de Rugby de Arcos de Valdevez (transitei do Sporting CP no final da Taça de Portugal desta época)
Internacionalizações: Sevens (sub18) – 2, Seleção Nacional XV – 1, Rugby Sevens – não sei
Títulos: 3 Campeonatos Nacionais da Divisão de Honra, 4 Campeonatos Nacionais de Sevens, 1 Campeonato Nacional de Tens, 5 Taças de Portugal, 3 Supertaças e 2 Taças Ibéricas de XV
Com que idade é que começaste a jogar rugby? Como é que entraste neste desporto?
Mariana: Comecei com 7 anos na escola agrária, mesmo no início da criação das escolinha de rugby AEESAC. Entrei um pouco por acaso, na altura já praticava natação e karaté mas o que realmente queria jogar era futebol. O meu pai, que também joga rugby, procurou equipas em Coimbra com futebol feminino e como não teve sucesso seguiu a dica de um amigo e levou-me a experimentar um treino na escola agrária, e desde aí nunca mais parei.
Márcia: Comecei a jogar rugby com 13 anos. Tudo começou a Escolinha de Rugby da Galiza. Eu frequentava o ATL da Galiza onde o rugby gerava muito interesse entre os rapazes e nesse ano estavam a começar uma equipa feminina. Eu já tinha ouvido falar sobre o rugby mas nunca tinha experimentado. Um dia, depois das aulas (e de ter terminado os trabalhos de casa), estava à procura das minhas amigas e acabei por espreitar para a zona do campo no ATL e vi que estavam fazer algo que eu não tinha a certeza do que era mas que estava a tentar entender. O treinador viu-me a espreitar disse “Márcia, vem também experimentar… estamos a jogar rugby!”. De início não quis ir, por timidez, mas depois desci e fui ter com eles e aí começou o rugby na minha vida.
Antónia: Comecei a jogar em 2006, com 8 anos de idade. Nesta altura, cerca de metade da minha turma jogava rugby e eu decidi experimentar a modalidade.
O rugby practicado por equipas femininas cresceu bastante nos últimos anos e, no Reino Unido, esta última edição das 6 Nações teve mais audiências que os jogos da WSL (Women’s Super League (futebol feminino)). O que achas que mudou desde que comecaste a jogar?
Mariana: Mudou muita coisa a vários niveis, principalmente no feminino, mas creio que o melhor ainda está por acontecer com o resurgimento da Selecção de XV feminina. Penso que vamos ter mais visibilidade e mais apoios.
Márcia: Penso que a sociedade começou a aceitar cada vez mais a diversidade desportiva e o rugby é um desporto que traz muita curiosidade para quem não o conhece. Existiu uma enorme adesão de atletas do sexo feminino, que ajudou bastante o desporto em si e que levou à criação de mais equipas femininas e, por consequência, mais eventos, torneios, e competições (nacionais e internacionais). Em campo, conseguimos mostrar que o rugby é um desporto de contacto, praticado por atletas de alta performance com a maior graciosidade, sensatez e alegria, o que é algo muito atrativo de assistir.
Antónia: Sinto que nos últimos anos a divulgação da modalidade disparou exponencialmente, em ambos os sexos, mas principalmente no rugby praticado por mulheres. Por outro lado, em vários países, o investimento (financeiro, em termos de equipas técnicas e acompanhamento nas várias valências – desde preparação física, técnica e tática, departamento médico e fisioterapia, nutrição, psicologia, entre outros) permitiu elevar o nível ao qual se joga e tornar a modalidade mais atrativa para quem a assiste. No panorama Português sinto que estamos a fazer um bom trabalho ao divulgar a modalidade, conseguir atrair mais jogadoras e criar mais equipas. No entanto, apesar do bom rumo, ainda temos uma grande margem de progressão.
Como é uma semana típica a nível de treinos/preparação?
Mariana: Depende da fase de época em que estamos a falar e das competições e objetivos. Neste momento estou em preparação para a Selecção de 7s o que implica mais treinos de velocidade . Estou a fazer treinos de campo 4 a 5x por semana e também treinos individuais de ginásio. Os fins de semana estão todos ocupados com jogos do campeonato nacional e estágios.
Márcia: É muito intensa. Temos, por vezes, estágios com vários dias e também temos treinos semanais de preparação regional, visto que as atletas vivem em diferentes regiões do país. O trabalho tem sido realizado com uma boa articulação e comunicação para que todas tenhamos a oportunidade de receber a mesma formação e possamos desenvolver as competências necessárias. Os treinos a nível de estágio nacional, são compostos por ginásio, onde treinamos capacidade física de mobilidade e força, e por treinos de campo onde trabalhamos velocidade e resistência,. Para além disso, em todos os treinos regionais e/ou nacionais trabalhamos estratégia de jogo, posicões dentro de campo e jogo coletivo.
Antónia: Atualmente, a minha preparação é muito diferente da que tive ao longo dos últimos anos, uma vez que estou a priorizar a fase final dos meus estudos relativamente ao desporto e, portanto, o meu tempo para treinar é mais limitado. Neste momento, estou a fazer 3 treinos de campo (2 de rugby e 1 de touch rugby) e 2 de ginásio/condição física, por semana.
Depois de um interregno de vários anos, a Selecção Nacional voltou a competir e os resultados não podiam ser melhores: dois jogos, duas vitórias. Qual é a vossa ambição para um futuro próximo?
Mariana: Sinceramente acho que temos imenso potencial para competirmos a fundo no Rugby Europe Championship tanto em XV como em 7s. No rugby de XV, claramente estamos a evoluir e iremos alcançar rapidamente um excelente nível.
Márcia: Tem sido incrível a experiência de poder estar presente na Seleção Nacional de XV. Gostava de destacar o grande trabalho realizado pelo selecionador nacional João Moura e por toda a Federação Portuguesa de Rugby que acreditaram e investiram para que pudessemos ter novamente uma equipa ativa que está a ter excelentes resultados. Subimos 10 lugares no ranking Mundial depois da vitória contra a Alemanha e 14 lugares desde o início do ano o que é brutal! A ambição é mesmo continuar a subir e poder ter a oportunidade de ter mais jogos e participar em campeonatos europeus para chegar a um nível cada vez mais alto.
Antónia, o que sentiste quando marcaste aquele (histórico) ensaio contra a Bélgica?
Acho que ao ver a gravação desse ensaio não sobram dúvidas sobre o que senti: foi uma explosão de felicidade enorme e orgulho por um excelente trabalho feito por toda a equipa e finalizado por mim.
Antónia, na última convocatória da Selecção Nacional optaste por ficar de fora devido a uma fase mais complicada a nível académico. Como vês o teu futuro a nível de rugby e como achas que vais conseguir coordenar esses dois aspectos da tua vida?
Antes de mais é importante ressalvar que não é necessário (nem possível) estar sempre “em todas as frentes com todo o foco”. Este ano encontro-me a terminar o meu curso (Medicina), estando a estagiar no norte do país e em preparação para o exame de acesso à especialidade. Até realizar o exame, o meu foco será conseguir cumprir as minhas tarefas académicas da melhor maneira que conseguir e levar o rugby como um passatempo e um escape. Após esta fase, o meu futuro depende muito de onde ficar colocada a trabalhar (visto que há vários locais do país, principalmente no interior, em que não há clubes perto) e da especialidade que vier a escolher (pois varia bastante a disponibilidade de fins de semana, rotatividade de turnos, etc.). Apesar disso, penso que seja possível coordenar esses dois aspetos da minha vida. É tudo uma questão de organização e, acima de isso, é necessário sentir que o esforço que colocamos nas atividades que fazemos é gratificante e que nos acrescenta algo (e isto aplica-se aos vários domínios da vida, não apenas a questões laborais ou desportivas).
Mariana e Márcia, como conseguem conciliar o rugby com a vossa vida académica? Quais são os maiores desafios?
Mariana: Sacrifício creio que é a palavra que descreve todo o meu percurso nessa relação rugby/vida académica, mas quando se gosta realmente do que se faz em ambos e se tem um apoio familiar e de amigos como tive e tenho as dificuldades tornam se menos desanimadoras. No futuro, a nível profissional é uma questão onde ainda preciso de alguma reflexão pessoal, mas tenho a certeza que quero continuar a fazer a minha parte no rugby nacional e internacional.
Márcia: Durante o meu percurso no rugby já tive algumas paragens e depois regressei porém, sempre consegui conciliar o rugby com a minha vida professional. Sou estudante, estou no último ano de Enfermagem e neste momento saí de Lisboa para estudar no Porto, o que aumenta o desafio visto que o meu clube está sediado em Lisboa. Por exemplo, o treino físico era feito enquanto estava no Porto e depois aos fins de semana jogava em Lisboa ou deslocava-me com a equipa para jogos noutras regiões.
No geral, não é fácil porque, enquanto jogadores amadores, tiramos muito tempo das nossas vidas pessoais para um desporto. Penso que é bastante diferente para jogadoras que são semi ou até mesmo professionais. Em relação ao rugby feminino em Portugal, seria excelente se melhorassem os recursos desportivos (acesso a locais de treinos nas diferentes cidades, por exemplo) visto que são ainda muito poucos. Por outro lado, era bom que o nosso Campeonato Nacional fosse mais rico, com mais jogos com menos espaçamento entre os torneios (tanto de XV como de 7s).
Quais são ambições pessoais para o futuro?
Mariana: Futuramente, gostaria de me aventurar nas vizinhanças do nosso país, tanto no rugby como a nível académico como a nível profissional. Apesar de ter algumas alternativas, é algo a ser pensado ainda.
Márcia: O rugby é um desporto que gera mudanças em nós que nem saberiamos que pudessemos ter. É um desporto que foi muito importante para o meu desenvolvimento pessoal enquanto adolescente e que também influenciou a minha vida adulta e professional pois aprendi desde muito cedo o que era trabalhar em equipa, partilhar e ser altruista, por exemplo na partilha da garrafa de água quando sede e estamos cansadas no treino.
Este ano vou ser Enfermeira, um curso que escolhi para a minha vida porque sinto que tenho vocação para o exercer mas, a nível desportivo, sei que me poderia tornar numa atleta professional de rugby. Infelizmente, não existem atletas femininas profissionais portuguesas mas penso que temos essa capacidade e talento. Temos vários exemplo de atletas de grande prestígio que tenho o prazer de ter como colegas como a Sofia Nobre, a Maria Vasquez e a Arlete Gonçalves, por exemplo. Noutras equipas nacionais temos o exemplo da Isabel Ozório (Sporting Clube de Portugal), a Mariana Marques (também aqui entrevistada) e a Daniela Correia “Deolinda” (Sport Clube do Porto).
Penso que temos de ter a ambição de querer trabalhar como atletas profissionais para tornar o nosso desporto algo rentável para a nossa vida pessoal (que muitas vezes sai prejudicada a nível financeiro, emocional com tudo o que investimos no desporto). No entanto, a falta de rendimento financeiro, não tira o mérito ao reconhecimento que temos como atletas de alta performance que somos e essa é a maior gratificação que temos!
Antónia: Em termos desportivos, penso que após este período de “pausa” vou querer voltar aos relvados a competir ao mais alto nível, quer nacional, quer internacional.
Também relacionado com o desporto, mas de outra forma, gostaria de ver o clube que me formou (CRAV) a crescer e a voltar a ter uma equipa feminina e poder ter um contributo para isso acontecer.
Relativamente a ambições laborais, a minha prioridade de momento é acabar o curso e ter a melhor nota possível no exame de acesso à especialidade para poder ter o maior leque possível de escolhas.