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Rugby Feminino
Parte II

Reportagem Especial

Parte II – Os clubes

Depois de falarmos com Francisco Goes e de percebermos a visão da Federação Portuguesa de Rugby em relação ao rugby practicado por equipas femininas, fomos tentar entender melhor como funcionam as coisas a nível de clubes. Para tal, escolhemos o clube que dominou a época de 2021/2022 – Sporting Clube de Portugal e o coordenador do clube para essa secção.

Parte II –  João Telhada, Coordenador do Rugby do Sporting Clube de Portugal

Como começou o envolvimento do João com o rugby? Como é que chegou ao Sporting e ao rugby feminino?

Eu comecei a jogar rugby por volta de 1987 no Técnico. Fiz lá a minha formação e o início do percurso sénior. Depois, em função de ter vivido uns tempos na Alemanha, interrompi a prática da modalidade. No regresso, joguei no Benfica e no campeonato universitário pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde fui estudante e sou actualmente docente.

A minha chegada ao Sporting deu-se pela ligação de amizade que tenho com o (re)fundador da modalidade no clube, Rafael Lucas Pereira. Para além de grande amigo, o Rafael é alguém em que tenho grande confiança e que transmite um sentido estratégico forte aos seus projectos e ideias. Inicialmente, em 2012, fiquei responsável pela formação da modalidade. Durante esse período, o Rafael trouxe a vertente sénior feminina para o clube e, após o seu período enquanto coordenador da modalidade, seguiu-se um período de liderança pelo João Tiago Silva (também amigo e ex-companheiro de equipa de rugby, à semelhança do Rafael). Quando o João Tiago Silva, há sensivelmente um ano (em Maio de 2021), comunicou que teria que abandonar a coordenação da modalidade por motivos da sua ocupação profissional, pareceu-nos natural que deveria ser eu a tomar essa posição enquanto coordenador. Tenho assumido essa função desde o início da presente época, na qual tenho tentado respeitar os mesmos princípios fundadores dos meus antecessores, entre os quais estão a vontade de afirmar o desporto no feminino e lutar pela desigualdade que, infelizmente, ainda se verifica em muitos casos.

Como é o seu dia a dia?

Como referi, sou professor universitário e isso significa que o meu dia é ocupado com actividades de docência e investigação, mas também de participação em projectos com empresas que estão relacionados com a minha área científica. Nos intervalos do trabalho e, sobretudo, nas horas pós-laborais, dedico-me por inteiro à gestão da modalidade. Levo a cabo essas actividades com enorme prazer, dado a meu vício pelo rugby e pela dinamização da actividade desportiva de uma forma geral.

João Telhada.

Quantas praticantes tem o Sporting neste momento?

Estamos muito próximos de atingir os 120 atletas.

Como se atraem mais jogadoras para a modalidade?

Essa é a pergunta para 1 milhão de dólares, como é habitual dizer. A captação de jogadores para a modalidade representa um enorme desafio, que é ainda mais agravado quando estamos a falar de jovens jogadoras. Existem ainda muitos mitos sem justificação sobre o rugby como ser, por exemplo, um desporto perigoso e agressivo. Confunde-se facilmente contacto e combatividade com agressão e perigo. Para além disso, há ainda o tabu habitual de achar que estes desportos não são para meninas. Nós temos tentado combater estes mitos através de participação em actividades junto do público escolar e muito tem ainda contribuído a Direcção do Sporting Clube de Portugal através de sucessivas acções de formação que pretendem falar de forma clara e tranquila sobre a actividade física, a sua importância e papel no desenvolvimento, assim como o papel que os pais devem ter em todo esse processo. Bom exemplo disso foi uma formação realizada no passado dia 8 de Maio, destinada a pais e público em geral, subordinada ao tema “O atleta Sporting – da Formação ao Rendimento”.

A nível de investimento, qual o orçamento para este sector?

Claramente não temos o orçamento que seria o ideal, mas compreendemos que a actual situação económica e o enquadramento num clube que tem quase 5.000 atletas são factores que limitam as possibilidades. Posso dizer que um valor na casa das centenas de milhares de euros representa uma aproximação ao que poderia ser um apoio que levaria o rugby do Sporting a um patamar de maior qualidade no serviço desportivo que presta. Nós estamos continuamente à procura de parceiros que reconheçam no nosso trabalho valores com os do respeito, solidariedade, resiliência e formação do indivíduo, tão próprios, enfim, do que é o rugby.

Quais são as principais dificuldades que a o rugby feminino enfrenta neste momento?

A grande dificuldade é, sem dúvida alguma, o da captação global de atletas. A nível nacional existem ainda muito poucas jogadoras e muitos poucos clubes apresentam equipa sénior feminina. Isto levanta grandes dificuldades logísticas e incertezas competitivas que não são, de todo, uma boa imagem para a marca Rugby Feminino. Curiosamente, eu vejo no Rugby Feminino um projecto de elevado retorno, uma vez que temos conseguido excelentes resultados com muito pouco investimento. Isto faz-nos acreditar que seria possível alcançar muito mais, incluindo uma presença forte a nível internacional, caso a vertente feminina fosse mais apoiada.

Se pudesse, o que mudaria/melhoraria a nível de infraestruturas e condições?

Uma das grandes limitações que o Sporting enfrenta é o da falta de um campo próprio. O facto de estarmos sempre a depender de campos terceiros faz com que tenhamos que treinar muitas vezes numa área de campo que não é, de todo, o que seria desejável. Para além disso, essa situação oferece pouca flexibilidade para intensificar treinos em certos momentos e faz com que não tenhamos uma “casa” onde jogar ou onde realizar eventos. O rugby do Sporting, juntamente com a Direcção do clube, têm estado em permanente avaliação de soluções para esta limitação. Estamos convictos que a identificação de uma solução poderá vir a potenciar grandemente a modalidade no clube e elevar de forma considerável o número de praticantes, quer a nível de formação, quer a nível de competição, seja no masculino ou no feminino.

Como é que a Federação trabalha com o Sporting? Existem programas de desenvolvimento de jogadoras?

Infelizmente, a actuação da Federação assenta desequilibradamente no alto rendimento, em detrimento do desenvolvimento e formação. Pessoalmente compreendo que não é uma decisão fácil e linear, até porque é o alto rendimento que acaba por ser a maior fonte de receitas futuras. Todavia, sem um bom desenvolvimento e formação não se pode alcançar resultados sólidos no futuro, por um lado, e essencialmente não se está a cumprir o importante serviço público que uma Federação deve desempenhar. Paralelamente a esta opção, é importante salientar o assustador subdimensionamento do quadro federativo, técnico e administrativo. Neste quadro complexo, a Federação promove academias de desenvolvimento para que, em conjunto com os clubes, vá potenciando o valor de futuras atletas. O Sporting, dada a posição de protagonista no rugby feminino nacional, representa uma fonte constante e vasta de atletas para esses programas de desenvolvimento.

No contexto interno, o clube está presentemente a realizar um forte investimento num Centro de Optimização Desportiva, que irá ficar localizado no Pavilhão João Rocha, junto ao Estádio de Alvalade, onde os atletas da equipa sénior feminina e das restantes equipas de competição do rugby do Sporting poderão fazer trabalho físico e muscular com técnicos muito credenciados. Todo este investimento, nos planos físico e técnico, é essencial no sentido de cumprirmos a nossa estratégia focada no jogador e no seu desenvolvimento. Tudo o resto acaba por ser uma consequência dessa aposta.

Como tem visto a presença de atletas do Sporting na Selecção Nacional?

A presença de atletas do Sporting na Selecção Nacional é, evidentemente, um motivo de grande orgulho para o clube mas, essencialmente, um sentimento de dever cumprido. Na sequência do que disse atrás, a presença em selecção nacional acaba por ser não um fim em sim mesmo, mas uma consequência natural na aposta de desenvolvimento. Infelizmente, todavia, falta ainda haver uma melhor sintonia entre o plano de trabalhos e calendário da selecção nacional e o calendário do próprio clube, que se encontra envolvido continuamente em competições.

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