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Rugby Feminino
Parte I

Reportagem Especial

Rugby Feminino

A história do rugby practicado por equipas femininas em Portugal tem tido vários capítulos de interesse. É um desporto que já foi practicado nas versões de XV, X e 7s e cuja Divisão de Honra Nacional mudou de formato por várias vezes. Presentemente, joga-se no formato de XV e conta com sete equipas: CR São Miguel, Belas Cascais, MRC Bairrada, SL Benfica, Sport CP, AEES Agrária Coimbra, e Sporting CP. Esta última é a actual detentora do título de campeã, sendo também vencedora da Taça de Portugal.  

A nível de Selecção Nacional de XV, até este ano, a mesma tinha feito apenas um jogo: a 15 de Maio de 1995, a equipa lustitana deslocava-se até Heidelberg na Alemanha para a sua estreia em palcos internacionais. O resultado? 50-0 para a equipa da casa. Depois disso, houve um interregno de 27 anos até que uma equipa de XV disputasse outro jogo internacional (pelo meio, a equipa focou-se mais na vertente de 7s). No entanto, neste ano, a Selecção foi integrada no grupo B do Rugby Europe Trophy, juntamente com as selecções da Bélgica e da Alemanha e os resultados não podiam ser melhores: dois jogos (em casa), duas vitórias, a última delas contra a equipa germânica por uns esclarecedores 57-0.

A nível global, o rugby practicado por equipas femininas encontra-se em franco crescimento com cada vez mais nações (França, Inglaterra, País de Gales, Nova Zelândia, por exemplo) a olharem para esta vertente como um desporto profissional. A edição de 2022 do torneio das 6 Nações viu dois recordes de bilheteira em Inglaterra a serem batidos consecutivamente, com o jogo Inglaterra-Irlanda a ser assistido ao vivo por quase 16,000 pessoas. Aqueles que não se puderam deslocar ao estádio, acompanharam a transmissão pela BBC e as audiências desse torneio foram consideravelmente mais altas que os dos jogos da WSL (Women’s Super League (primeira liga Inglesa de futebol feminino)). A World Rugby, consciente do interesse na modalidade, separou pela primeira vez as versões masculinas e femininas dos torneios das 6 Nações e, como podemos ver, os resultados foram excelentes.

Record de assistência no jogo entre a Inglaterra e a Irlanda (Torneio das 6 Nações 2022). Crédito: Matthew Lewis/The Guardian.

Depois de assistir ao regresso da Selecção Nacional à vertente de XV e de presenciar (ao vivo e a cores) a vitória sobre a Alemanha, o Linha de Ensaio decidiu fazer uma resportagem especial sobre o rugby practicado por equipas femininas em Portugal. De modo a ter uma visão mais global sobre a situação em Portugal, decidimos entrevistar Francisco Goes (Vice-Presidente da Federação Portuguesa de Rugby para o rugby feminino), João Telhada (Coordenador do rugby do Sporting Clube de Portugal), e três jogadoras da Selecção Nacional: Mariana Marques (AEES Agrária Coimbra), Márcia Santos (SL Benfica) e Antónia Braga Martins (CR Arcos de Valdevez).

Decidimos dividir a peça em três partes e iremos publicá-las ao longo de três semanas. Comecemos, então, pelo princípio:

Parte I –  Francisco Goes, VP da Federação Portuguesa de Rugby para o Rugby Feminino.

Como é que o Francisco entrou no mundo do rugby? E como é que chegou à Federação e ao rugby feminino?

O meu envolvimento com o rugby começou aos 12 anos através de um colega da escola que jogava no Direito. Fui experimentar, fiz um treino e nunca mais parei!

Em relação ao rugby feminino, tenho sido um grande apoiante e um fervoroso entusiasta desde que a minha mulher Sofia, na altura namorada, montou uma equipa no Grupo Desportivo dos Pescadores da Costa da Caparica em 1995.

Entre 2004 e 2007, em parceria com o João Alberty da Escola Agrária de Coimbra, fui selecionador nacional feminino, tendo também ajudado, como treinador-adjunto, a equipa feminina do Benfica entre 2007 e 2010.

Agora, em Junho de 2021, o Presidente da FPR, Carlos Amado da Silva, convidou-me para ser o vice-presidente para a vertente feminina, facto que me deixou muito orgulhoso. Este quase ano tem sido um desafio enorme, mas muitíssimo gratificante.

Como é o seu dia a dia?

O meu dia-a-dia é igual ao de muita gente. Sou formado em engenharia florestal e trabalho na CELPA, que é a associação da indústria papeleira, em assuntos ligados à temática florestal.

Tento ser disciplinado e pratico crossfit três vezes por semana à hora de almoço e, também, quando levo o meu filho Vicente aos sub-10 do Direito, treino com o escalão família, que reúne antigos jogadores e pais de atuais jogadores.

Dedico o tempo necessário para os assuntos do rugby feminino no âmbito da FPR e faço os possíveis para assistir a jogos no fim de semana, em especial os da minha mulher e filha mais velha, que jogam na mesma equipa.

Em casa, tento também assistir a todo o rugby que posso na televisão e no Youtube, sejam jogos em direto sejam resumos, de homens ou mulheres, de XV ou de 7.

Francisco Goes, nos dias de jogador do Direito.

Quantas practicantes tem a modalidade neste momento?

Neste momento estão inscritas na FPR 550 jogadoras, mas o nosso objetivo é o de ainda fecharmos a época mais perto das 600 jogadoras, o que será um recorde absoluto, pois o máximo anterior aconteceu em 2019, antes da pandemia, com 515 praticantes.

Atualmente as jogadoras representam cerca de 9% do número total de praticantes e é muito importante que aumentemos drasticamente, no curto-prazo, o número de jogadoras federadas de rugby no nosso país.

Como é que isso se faz? Como se atraem mais jogadoras para a modalidade?

Com maior divulgação nas escolas e nos clubes, com vitórias como as que tivemos contra a Bélgica e Alemanha e com a desmistificação de preconceitos que ainda subsistem.

É importante que os grandes clubes nacionais entrem no rugby feminino. Neste momento, da Divisão de Honra masculina, apenas o Benfica, o São Miguel, o Cascais e, mais recentemente, a Académica tem equipa feminina. Para além destes, temos o Sporting, cujo emblema é um excelente veículo de divulgação do rugby feminino.

É também importante termos mais árbitras, dirigentes e mães envolvidas no rugby!

A este propósito, a FPR tem dinamizado, de forma incessante, o rugby feminino nas suas redes sociais, criando, inclusivamente, uma imagem para o Campeonato Nacional da Divisão de Honra distinta da dos homens, transmitiu os jogos decisivos do campeonato e taça de Portugal na Rugby TV, bem como outras reportagens diversas.

No início deste ano, a FPR lançou uma campanha de divulgação, a que “Já só faltas tu!”, que, através de um vídeo promocional, pretende cativar praticantes para a modalidade.

Depois de um interregno de mais de duas décadas, a selecção nacional está de volta. O que vos levou a apostar de novo neste sector? Qual foi o processo de decisão?

Esta época, de 2021/22, a Rugby Europe desafiou-nos, juntamente com a Alemanha e a Bélgica a disputarmos o Grupo B do Women’s Trophy de 15 com o compromisso de apenas disputarmos os jogos que conseguíssemos, ou seja, sem qualquer obrigatoriedade de cumprirmos o calendário. Esta proposta pareceu-nos muito interessante para quem está a começar, pois permitiu-nos pensar no rugby internacional de 15 de uma forma mais estruturada sem termos a pressão, logística e financeira, de termos de jogar todos os jogos. Depois, em conversas com as federações belga e alemã, apercebemo-nos da disponibilidade de virem jogar cá a Portugal, o que tornou esta nossa participação mais fácil.

Para a próxima época, está tudo em aberto, mas gostaríamos de participar de uma forma competitiva e tentar a possibilidade de subirmos para o Championship.

A nível de investimento, qual o orçamento para este sector?

O Plano de Atividades e Orçamento da Federação Portuguesa de Rugby para 2022 tem previstos 182 mil euros para as seleções nacionais femininas, tanto de 7 como de 15, que prevê a preparação e a participação nas competições organizadas pela Rugby Europe.

A Selecção tem duas vitórias em dois jogos até ao momento. Quais são os objectivos para a equipa a curto e médio prazo?

Estas duas vitórias permitiram-nos saltar do 53º lugar no ranking mundial para o 39º em menos de um ano. A curto prazo queremos manter esta dinâmica e continuar a realizar jogos oficiais de rugby de 15, possibilitando uma cada vez maior experiência a um número consolidado de 30/40 jogadoras. No médio/longo prazo, o objetivo é sermos uma equipa top 20/25 do mundo, subirmos do Trophy para o Championship da Rugby Europe, mantendo-nos nesta divisão, e disputar o acesso a um campeonato do mundo de 15.

Francisco com a Selecção Nacional depois do jogo histórico contra a Bélgica. Crédito: Luis Cabelo.

Quais são as principais dificuldades que a Selecção enfrenta neste momento?

A nossa seleção feminina, neste momento e após as vitórias recentes, tem de continuar a competir e a pôr-se à prova de forma periódica e consistente contra as seleções europeias e, quem sabe, até de outros continentes. Mas, para tal, será necessário um maior esforço financeiro.

Assim, neste momento, é importante que o Estado e outros potenciais patrocinadores apostem no desporto feminino, e em particular no rugby, pois a margem de progressão da nossa seleção é muito grande!

Como é que a Federação trabalha com os clubes? Existem programas de desenvolvimento de jogadoras?

Existe uma linha de comunicação, bastante direta e informal quanto baste, entre a FPR e os clubes com o objetivo de estarmos todos alinhados e concertados em relação ao desenvolvimento do rugby feminino.

A FPR tem realizado academias, de 15 e de 7, onde treinam as jogadoras mais promissoras do nosso rugby, tem organizado convívios para o escalão sub-18 e para clubes emergentes, com o objetivo de melhorar a qualidade geral do nosso rugby feminino.

Crédito: Luis Cabelo.
7s Feminino
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