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Isabel Ozório
Entrevista

Jogadora do Stade Rennais e da Seleção Nacional.

Uma viagem desde o Porto até Rennes. O Linha de Ensaio teve o prazer de falar com o Isabel Ozório.

Nome: Isabel Ozório
Idade:
33 anos

Naturalidade: Porto
Internacionalizações:
2 nos XV e 30 nos 7s.

Posição: Abertura

Clube: Stade Rennais



Quick round:
Clube preferido? Sporting CP e Chiefs (Nova Zelândia)
Seleção que mais gostas de ver jogar (sem ser Portugal)? 
Feminina: Nova Zelândia; Masculina: Irlanda e Nova Zelândia.
Jogadora preferida? Stacey Fluhler (Nova Zelândia) e Caroline Drouin (França) 

Melhor memória da carreira? Apuramento para a repescagem mundial para os JO 2016 da Seleção Nacional Feminina 7s.

Comecemos pelo início. Como entraste no mundo do Rugby?

Comecei a jogar rugby quando tinha 14 anos no CDUP. Recebi uma mensagem para ir experimentar rugby num treino aberto e foi assim que tudo começou.  Até aí só tinha feito desportos indivuais (taekwondo, ténis) e quando comecei a jogar rugby tive que optar e deixei os outros para trás. Gostei bastante do facto do rugby ser um desporto colectivo e ter um grande espírito de equipa e foi isso que me fez ficar.

Como foi a tua carreira até agora?

Depois de estar 5 anos no CDUP, fui para Lisboa estudar e comecei a jogar no CR Técnico, onde estive até 2015. Nessa altura o Sporting CP estava a formar uma equipa, surgiu a oportunidade de ir para lá e não hesitei. Fiquei até Outubro de 2022, com duas experiências fora: em 2017 joguei na Nova Zelândia, pelos Counties Manukau e em 2022 estive uns tempos nos Estados Unidos, na academia dos Rhinos (San Clemente, California). Neste momento, estou em França, onde represento o Stade Rennais da Elite 1 (1ª Divisão).

Como aconteceu a tua transição para o Rugby Francês?

Não foi nada planeado.  A ideia inicial era ficar até Dezembro nos Estados Unidos para jogar 7s, mas o programa teve algumas mudanças que me fizeram reconsiderar, até porque estaria indisponível para a seleção de XV, e resolvi voltar. Quando voltei, recebi um contacto de um clube francês que procurava uma jogadora para a minha posição. Depois surgiram mais dois ou três contactos e, apesar não estar nos meus planos, tomei a decisão de vir jogar para França!

É um clube da Elite 1, com um plantel jovem, mas com muito potencial, tendo também algumas jogadoras do XV de França e 7s (embora nem sempre estejam disponíveis). Tem sido um bom desafio, onde tenho trabalhado para ganhar o meu espaço e tenho conseguido jogar com bastante regularidade.

Como foi a adaptaçao à vida em França?

A adaptação correu bem, mas foi sem dúvida a mais desafiante até agora. Costumo dizer que existem duas grandes diferenças relativamente ao nosso país: as pessoas e o tempo. Em Portugal temos uma proximidade com as pessoas diferente. No entanto, o clube proporcionou-me toda a ajuda para que me adaptasse o mais rápido possível. Quanto ao tempo, nunca tinha pensado que podia influenciar tanto o estado de espírito. Eu estou habituada a viver próximo do mar e a ter sol e aqui é um pouco o contrário. É mesmo muito frio, por isso a vida fora rugby é um pouco diferente! Por agora, o desafio da língua ainda é o mais complicado.

E a nivel de rugby, como é a tua semana?

A maior parte da equipa estuda e/ou trabalha por isso os treinos são pós-laborais. Treinamos 3 vezes  por semana ((3ª, 4ª e 6ª feira) das 18h às 21h: ginásio/preparação física, análise de vídeo e treino de campo. Temos também blocos de treino físico específico à hora de almoço, e no meu caso, tenho também treino de jogo ao pé. Existem ainda dois blocos de treino de skills gerais que são facultativos.

Quais as principais diferenças que encontraste entre o campeonato português e francês?

No jogo em si, há uma diferença grande na velocidade e estrutura do jogo: as jogadoras são mais fortes fisicamente, tecnicamente superiores, e o conhecimento do jogo é diferente. Por exemplo, a qualidade do jogo ao pé, não só relativa à técnica, mas também de quando e como é utilizado. O nível interno, o plantel é mais homogéneo o que também permite que a intensidade com que se treina e se joga seja superior, tornando o jogo muito mais atrativo. Já em Portugal, é natural termos jogadoras de Seleção Nacional a jogar com jogadoras que tem um ano ou até menos de rugby. É por isso que é tão importante que as equipas tenham mais que um treinador, o que não acontece com alguns clubes. Aqui todas as equipas têm no mínimo, 3 treinadores, cada um com a sua especialidade.

Relativamente à competição em si, o número de jogadoras é bastante superior e há muito mais equipas: na competição feminina, existem 4 divisões, sendo que a Elite 1 (1ª Divisão) é composta por 12 equipas. Todas as equipas desta divisão são obrigadas a ter uma segunda equipa, que compete no campeonato Reserve Elite.

Outra diferença é a envolvência de mulheres em cargos de técnicos e de gestão e decisão: há uma grande percentagem de treinadoras, árbitras e dirigentes de secção e de clubes.

O que achas que falta em Portugal para que o rugby feminino possa crescer ainda mais?

Começar pelo básico: aumentar o número de jogadoras e melhorar a quantidade e qualidade dos treinadores. Eu tive a sorte de ter treinadores de grande nível tanto no clube como na seleção, mas sei que essa realidade não é transversal a todos os clubes.
Depois acho que devia existir em Portugal um um plano a médio/longo prazo, para as competições e representação feminina com objetivos definidos para os clubes.

Naturalmente, penso que deve existir também um plano definido para as seleções nacionais, de XV e 7s. No único momento em que houve uma preparação diferenciada, houve resultados – na época até algo inesperados (qualificação para a repescagem final para os JO Rio 2016).

Como jogadora, posso dizer que damos o melhor de nós, dentro daquilo que nos é apresentado. Mas tenho noção que poderíamos chegar a um patamar diferente, se existisse uma intenção clara, suportada por um plano, e investimento. Estamos a dar alguns passos relevantes no XV, mas não devemos perder o comboio dos 7s.

Se olharmos para o rubgy de um modo geral, o que achas para que ganhe mais importância no país?

Primeiro, precisamos que o rugby seja conhecido e desmistificado por todos: há muita gente em Portugal que não sabe o que é rugby e outros que pensam que é perigoso. A situação agrava-se nas crianças e um pouco mais nas raparigas, fruto da inexistente cultura desportiva e estereótipos do desporto/raparigas. É importante que se leve o rugby às crianças e experimentem! Não conheço ninguém que tenha experimentado rugby e não tenha gostado e aí os clubes têm que fazer o seu trabalho.
Penso que, neste momento, este primeiro contacto é feito de forma deficitária.  É importante que haja um plano de crescimento da federação (como existe em todas as federaçõs), mas acho que os clubes podem e devem fazer melhor do que estão a fazer. Há muita margem para crescer.

Outro aspeto que penso que deve ser melhorado é a comunicação. Não só a nível de conteúdo e informação, mas também à forma e ao timing como se comunica. É preciso melhorar a imagem e a maneira como se comunica com o público-alvo.

O que esperas do resto do Trophy? E quais as principais diferenças entre as equipas do Championship e Portugal?

Dentro do grupo, temos clara noção de que temos nível não só para estar nesta competição, mas também para subir ao Championship. Sempre respeitando as equipas do Trophy, espero que esta passagem pela divisão seja mesmo só uma passagem porque temos realmente potencial para mais. Temos jogado o suficiente para vencer, mas quando conseguirmos aumentar a intensidade de jogo e cometer menos erros individuais, vamos passar para outro nível.

Esperando estar no Championship na próxima época, penso que vamos sentir dificuldades, especialmente com Espanha, que tem um campeonato de XV competitivo e estruturado há décadas, com contínuos investimentos. Um exemplo tem que ver com o recrutamento de alguns clubes que, ao trazerem jogadoras do hemisfério sul, aumentam o nível doméstico e consequentemente da sua seleção.

No entanto, acho que temos hipóteses de competir. Vai depender muito da preparação que conseguirmos fazer, tanto a nível de clube como a nível de seleção e do leque de jogadoras disponíveis. Temos a vantagem de sermos um país mais pequeno e de conseguirmos juntar o grupo mais vezes, coisa que é mais complicada em Espanha.  

Crédito: Miguel Rodrigues

Achas que é irrealista pensar que, quando o Campeonato do Mundo passar de 12 para 16 equipas, nos podemos qualificar?

Em termos de qualidade, penso que é possível. Mas sabemos que isso não é tudo. Sinceramente penso que o novo sistema de qualificação para o próximo RWC é recente, pelo que não consigo responder concretamente, até porque foi ate criada uma nova competição de XV que pode impactar a nossa qualificação.

O que achas que é necessário fazer? 

Um dos desafios que iremos ter será na quantidade/qualidade de jogadoras a essa data. Por isso acho que deve criar-se uma competição regular de sub18/sub20 de forma a que as atletas dessa faixa etária possam competir entre si. A seleção sub18 deve ser uma realidade, com plano de treinos e competição, sendo parte de um caminho para pertencer à seleção sénior.

Por outro lado, e à semelhança do que tem sido feito com a seleção masculina, penso que podemos ganhar bastante com a inclusão de jogadoras com ascendência portuguesa a jogar em campeonatos mais competitivos, como França, UK, Espanha, para melhorar a profundidade e nível do plantel.

Acho que o estado da competição e da participação feminina no rugby está a crescer, e para que seja uma realidade, precisamos de continuar a contribuir. Acredito que são as jogadoras que vão fazer a diferença, para que as próximas gerações encontrem o rugby num lugar melhor. Obviamente que a nossa maior preocupação deve ser em jogar, mas acho que temos essa responsabilidade, de contribuir para o crescimento do jogo em todos os sentidos. De sermos sérias e exigentes, e encontrarmos formas de ajudar, mesmo sem ser a jogar.

Que planos tens para o resto da tua carreira? E no pós-jogadora? 

Não sei, não sei mesmo. Dependendo da fase da vida em que estamos, acredito que por vezes o excesso de planeamento pode limitar-nos um pouco. Acima de tudo, sei que quero aproveitar ao máximo a minha fase de atleta. Não sei ainda se vou voltar a Portugal na próxima época, se fico em França. A ver vamos.

Num futuro mais longínquo, gostaria de ser treinadora e talvez dirigente, mas são coisas em que não penso muito porque me quero focar na minha carreira enquanto jogadora.

Portugal v Chéquia
Rugby Europe Trophy 2022/23