2023 foi há uma vida inteira atrás.
Artigo escrito por: Redação
A brisa de um verão tardio em Toulouse misturava-se com os vapores celebratórios da primeira vitória de Portugal num Mundial de rugby. Enquanto que um ponto a mais que os contrários fijianos coroava os Lobos como a segunda equipa favorita de milhões de pessoas pelo mundo fora, haviam várias vozes que tinham esperança que desta vez – e ao contrário do que tinha acontecido em 2007 – se conseguisse capitalizar a excelente prestação da seleção nacional.
Já se sabia que Patrice Lagisquet não iria continuar ao comando da equipa após o Campeonato do Mundo. A versão oficial era que o gaulês – quase em idade de reforma – se queria dedicar a tempo inteiro ao seu trabalho durante os últimos anos de atividade profissional. Apertos de mão, sorrisos e abraços na despedida, e muita saudade dos tempos que ainda não vivemos. No entanto, seria o próprio Patrice, em entrevistas à imprensa francesa, a admitir que tinham havido alguns conflitos com membros da estrutura federativa que o tinham empurrado para fora do comando dos Lobos. A verdade, tal como frequentemente a virtude, encontra-se algures no meio e é pouco provável que algum dia saibamos exatamente o que se passou.
Ainda se pensou que o comando técnico dos Lobos passaria para David Gèrard – um dos adjuntos de Patrice Lagisquet. No entanto, decidiu-se começar (quase) de novo: Gèrard, Michäel Dallery (Scrum e Athletic Performance), e Paul Céré-Labourdette (ciências do desporto) faziam as malas com destino a Bucareste e eram agora os maiores responsáveis técnicos da Roménia, adversário direto de Portugal na classificação para o campeonato do mundo em 2027. Luís Pissarra, que tinha estado envolvido com alguns elementos do grupo desde as camadas jovens, também fazia uma pausa na ligação à Federação e dedicava-se a 100% à Agronomia Rugby.
Se as nuvens no horizonte não agoiravam nada de bom, a trovada começou com o anúncio de quem iria ser o novo treinador dos Lobos: Sébastien Bertrank. Quem? Pois, exatamente. Sem experiência a nível sénior, o francês tinha estado envolvido na coordenação de vários projetos de camadas jovens em França e era também um dos formadores vinculados à FFR. Para além da seleção sénior, estava também encarregado dos Lusitanos, a franquia portuguesa que serve de rampa de lançamento para os Lobos.
Chegou, viu e… foi embora. Um mês e dois jogos (Lusitanos) depois, Sèbastien Bertrank abandonava o comando dos Lobos. Ninguém queria acreditar. Por entre a incredulidade e a estupefação que reinavam por entre os milhares (milhões, depois da prestação no campeonato do mundo) que seguiam a seleção nacional masculina questionava-se como era possível isto ter acontecido. As razões apresentadas para tão curta estadia em terras nacionais foi que o cargo de selecionador nacional iria ocupar demasiado tempo (!) e que não era compatível com a posição ocupada na FFR.
Neste momento, caro leitor, peço que me deixe dissecar esta situação um pouco mais. Vamos assumir que foram realmente estas as razões pelas quais Bertrank saiu, o que significa que a Federação Portuguesa de Rugby não tinha – nem com o apoio da World Rugby – capacidade para contratar um treinador a tempo inteiro para o comando da seleção nacional, acabada de vir de um brilharete. OK, tudo bem, vamos contratar alguém em regime de part-time. Será que durante o processo de entrevista e contratação ninguém explicou que o trabalho iria envolver treinar e coordenar duas equipas, com jogos entre Setembro e Março? Ou será que tudo isto foi debatido e, mesmo assim, se decidiu que o risco a ser tomado era aceitável e necessário para podermos contar com um treinador deste gabarito? Ou, será que o treinador afinal não era grande coisa e foi esta a desculpa que se arranjou para que ele saísse? Infelizmente, este é outro dos mistérios para o qual é pouco provável que tenhamos um dia resposta.
Ainda decorriam as meias-finais do Campeonato do Mundo quando Portugal anunciou o novo selecionador nacional. Um mês depois, voltavamos novamente à estaca zero. Seriam precisos esperar cinco meses para que os Lobos tivessem novo treinador.
Deixando de lado a análise aos últimos jogos dos Lobos para a segunda parte deste artigo e focarmo-nos em dois aspetos do pós-campeonato do mundo:
Competições Nacionais
A época 2024/25 trouxe, novamente, mudanças às quadros competitivos da FPR. O Top10 passou a Top12 (sem descidas e com as subidas de CR Técnico e CR Montemor) e foi criado o Torneio Abertura, competição a ser jogada entre Setembro e Dezembro. A primeira impressão é que esta foi uma mudança positiva. Permite aos clubes darem aos jogadores (especialmente aos mais jovens) minutos a um nível competitivo mais alto e, porque se joga ao mesmo tempo que os Lusitanos, testar alternativas para várias posições. Com a época regular prestes a iniciar-se, esperemos que o modelo competitivo a estrear (dois grupos de seis equipas) dê bons resultados.
No entanto, o jogo da Supertaça entre o CF Os Belenenses e a Agronomia Rugby foi jogado sem árbitros assistentes. Quaisquer que sejam as razões para tal ter acontecido, é mais uma triste imagem que aqueles que seguiram a partida.
Marketing e comunicação
É bastante comum ouvir dizer que o rugby português precisa de mais financiamento. É verdade, ninguém o nega. Infelizmente, a pergunta que se ouve muito menos vezes é “Será que o produto que temos é bom o suficiente para atrair mais financiamento?”. Deixando de parte as exibições dentro do campo, olhemos para alguns outros aspetos do rugby nacional. Nos dias que correm, nenhuma empresa/produto consegue ser comercializado com sucesso se não tiver associado a um boa estratégia de marketing e comunicação. Neste momento, a FPR não parece ter uma estratégia definida para sua comunicação e o conteúdo produzido é o pior dos últimos quatro anos.
Boletim clínico? Não há.
Resultados e classificações das provas nacionais? Não há (e quando há alguma coisa está enterrado num boletim informativo no site).
Website funcional e apelativo? Não há.
Lista alargada de convocados? Há, mas sai sempre em cima da hora o que não permite que se crie entusiasmo e buzz em relação à equipa.
Anúncio atempado dos jogos, com respetivo local e horário? Não há. Mas depois querem-se estádios cheios e receitas de bilhética. Por exemplo, já temos datas para os importantíssimos jogos do REC’25 mas a FPR ainda não anunciou nada. Também foi anunciado n’A Bola que a Irlanda, atual segunda classificada no ranking mundial, virá jogar em Portugal em Julho mas, mais uma vez, não temos nenhuma confirmação por parte do órgão que rege o rugby nacional.
Diz o povo que é impossível fazer omeletes sem ovos. Mas se calhar podíamos comprar umas galinhas e ver o que conseguíamos fazer.
Concluímos a primeira parte deste artigo com uma pequena reflexão. Temos, nos vários campos onde entramos, jogadores e jogadoras, que conjugam rugby com outras atividades profissionais (muitas das vezes a troco de grandes esforços pessoais), adeptos apaixonados que acompanham a equipa a todos os sítios onde vão, e talento – muito talento – dentro de campo, num país onde o rugby não é o primeiro, nem o segundo, nem sequer o terceiro desporto nacional. Se existem coisas fora do nosso alcance, existe todo um mundo de situações que dependem apenas de quem está no comando das operações. Haja essa vontade e visão.