Árbitro internacional
O Linha de Ensaio teve o prazer de conversar com Paulo Duarte
Nome: Paulo Duarte
Idade: 33 anos
Anos como árbitro: Quase 15 anos, comecei em 2006
Número de jogos apitados: é complicado ter a certeza mas mais de 500 jogos. Nos 7s já fiz 108 (circuito mundial), no circuito europeu mais de 200 jogos. Na divisão de honra em Portugal (XV), estou entre os 150 e 200 jogos. E depois, claro, todos os jogos que fiz de sub-18, sub-16…
Quick round:
Clube preferido?
Belas Rugby Clube.
Seleção que mais gosta . ver jogar?
Para além da Portuguesa, os All Blacks (XV) e as Fiji (7s).
Jogadores preferidos (Português e estrangeiro)? Estrangeiros e mais antigos, Jerry Collins e Richie McCaw (Nova Zelândia) que eram as minhas referências quando jogava. Portugueses do passado, o Luís Pissarra e o Nuno Durão, que terá sido um dos melhores jogadores do mundo na altura. No presente, Antoine Dupont (França).
Árbitros que mais admiras?
O meu mentor, Craig Joubert (África do Sul) e o Nigel Owens (País de Gales)
Como é que entraste no mundo do Rugby?
Comecei como jogador. Tinha 15 anos e queria fazer um desporto de competição. Na altura, tinha um colega na escola que jogava no Belas Rugby Clube e eu perguntei-lhe se podia ir experimentar. Nunca considerei o futebol porque sempre tive dois pés esquerdos e soube desde sempre que não ia dar para mim, apesar de ser um guarda-redes OK. Então fui experimentar rugby, nos juvenis do Belas e gostei bastante do espírito e do treino. O parte do contacto não me assustava, apesar de não saber o que era o rugby ao certo, e fiquei.
Não havia muita divulgação de rugby na altura?
Na altura (em 2005) não haviam muitas notícias, apenas umas coisas aqui e ali mas não era como agora em que há muito mais informação nas redes sociais.
Comecaste a jogar em que posição?
Comecei a jogar a ponta porque era magrinho e rápido mas o pessoal no clube percebeu que chutar não dava e que também, porque tinha comecado a jogar mais tarde, não tinha o conhecimento de jogo necessário à posição. Daí fui para a segunda linha, porque era leve o que ajudava bastante nos alinhamentos. Depois passei para asa (número 7) e no fim da minha carreira como jogador ainda joguei a centro (número 12).
E partir daí, como evoluíram as coisas?
Em 2006/2007, o Belas tinha um ex-árbitro internacional na equipa técnica (n.d.a Ferdinand de Sousa) que tinha sido um dos fundadores da Escola de Jovens Árbitros, um projecto que se iniciou nesse ano e ele convidou-me a ingressar no curso. Já lhe tinha feito algumas perguntas sobre as leis do jogo durante treinos e jogos e acabei por conciliar as duas coisas – arbitrar e jogar – até 2009 que foi quando parei de jogar. Na altura já havia algum forcing da malta da arbirtragem para que parasse de jogar e me dedicasse à arbitragem porque viam que tinha algum potencial, mas eu continuava a insistir para continuar a jogar. Por azar (ou sorte), tive duas lesões no joelho (rotura parcial do ligamento) e tive que repensar o que queria fazer com a minha vida e decidi dedicar-me apenas à arbitragem.
Que evolução viste no rugby desde que começaste a jogar?
O movimento profissionalizante da modalidade veio trazer muito ao rugby nacional. Em Portugal, isso notou-se a nível de patrocinadores e de objectivos a que o rugby Português se propôs a atingir – neste caso a ida ao Campeonato do Mundo de 2007. Penso que isso foi possível devido a uma conjugação de factores, a começar pelo grupo muito talentoso de jogadores que se juntou, com alguns dos 7s (que eram pentacampeões Europeus) a vir para a equipa de XV. Com a ida ao Campeonato do Mundo, houve um maior interesse por parte da população na modalidade o que ajudou bastante.
Como foi esse Campeonato do Mundo para ti?
Eu tive a sorte de ir ver ao vivo, pois fizémos uma digressão com o Belas na mesma altura e ainda vi três jogos (Portugal-Escócia, Portugal-Nova Zelândia e o Roménia-Argentina). No caminho até França ainda jogámos dois jogos, um contra uma equipa Espanhola e outro contra uma equipa Francesa, e para mim, um puto de 18 anos, foi uma experiência espectacular. Eu não me canso de dizer que ouvir A Portuguesa ao vivo em Lyon e depois o Haka da Nova Zelândia, ainda é uma coisa que hoje me arrepia. Por acaso até tenho uma história engracada sobre esse jogo…
Durante algum tempo, ainda antes de ser jogador sénior, eu filmava os jogos do Belas para análise – até me deram a alcunha de Fellini. Por causa disso, deram-me a responsabilidade de filmar a digressão até França e tirar fotografias, cujo objectivo era terminar com a filmagem do hino nacional e do haka. Na altura tinhamos aquelas câmeras antigas, com cassettes e eu vejo e filmo A Portuguesa, depois filmo o haka e carrego no botão para parar e baixo a câmera. Vejo o jogo todo e quando vou ver a filmagem depois do jogo, vêem-se os meus pés mas nada de hino nem de haka porque só tinha comecado a filmar quando baixei a câmara.
Mais algumas histórias que possas contar?
Sim, acabámos por aparecer na revista do Rugby World com um cartaz a dizer “Carter, kick my balls” e durante o jogo, sempre que ele estava perto de nós, mostrávamos o cartaz para o campo. No final do jogo, depois de perdermos, a equipa de Portugal joga uma “peladinha” de futebol com os neo-zelandeses, uma coisa que acho que ninguém que não tenha ficado depois do jogo acabar sabe que aconteceu. Ganhámos 2-1 e como o estádio estava quase vazio, conseguimos mostrar-lhe o cartaz e ele começou-se a rir para nós. Pena não haver telemóveis para tirar fotografias na altura.
Como vês o rugby em Portugal hoje em dia?
Desde o Campeonato do Mundo em 2007, dobrámos o número de jogadores, os clubes reestruturaram-se. Nos últimos anos as coisas têm estado mais estáveis mas continua ainda assim a crescer, o que é bom. Temos um problema, que é a nível de infrastruturas. Nós não temos espaço nem cultura desportiva para termos vários campos de rugby no mesmo espaço físico. Mesmo a nível de escolas e colégios, que alimentam depois as academias e os clubes como é o caso do que se passa em Inglaterra, por exemplo, isso não existe em Portugal.
Penso que neste momento, se tivéssemos mais e melhores infrastruturas, tínhamos mais pessoas envolvidas mas, da mesma forma que não temos estruturas profissionais, não temos condições para dar seguimento aos jogadores que sairíam daí. E depois também há a questão do financiamento, em que temos uma grande dificuldade em arranjar patrocinadores (em parte devido a lei do mecenato para o desporto), o que também inviabiliza qualquer projecto que queiras fazer crescer.
Hoje em dia, as coisas são muito à base dos “paitrocínios” e das ligações pessoais aos clubes, através dos filhos que jogam nos clubes mas corre-se o risco de, quando os atletas saem do clube, o patrocínio também desaparecer.
O futebol continua a ser o desporto-rei e fica muito complicado para o rugby ter um mercado. Para além disso, ainda não conseguimos identificar qual o nosso produto e de que forma o vamos conseguir vender de maneira a fazer crescer a modalidade.
Achas que a Rugby Europe Super Cup veio, de algum modo, ajudar? Um dos objectivos, quando foi anunciada, era criar condições para jogadores profissionais ou semi-profissionais.
O problema dessa competição, é o dinheiro. Se compararmos com a SLAR, que é a competição sul-americana, ou a MLR que é a liga norte-americana de rugby, onde há dinheiro envolvido e patrocínios gigantescos, há a certeza que a competição vai sobreviver e onde podes dizer aos jogadores, com toda a certeza, que vão ter um futuro ali. A Rugby Europe Super Cup, e há que dar mérito à Rugby Europe por terem tido esta iniciativa, é uma competição sem dinheiro.
No caso da equipa Portuguesa (Lusitanos XV), proporciona uma hipótese aos jogadores de se mostrarem noutros palcos, especiamente aqueles que, neste momento, não conseguiriam jogar na selecção nacional. Algumas equipas da competição já tinham os seus patrocinadores e investidores, especialmente as da Conferência Este, mas Portugal começou com muito poucos apoios.
Tenho muita vontade de ver como vão ser as meias-finais, onde vamos jogar contra equipas mais físicas da Conferência Este, para ver a performance dos nossos jogadores contra um tipo de rugby mais físico.
Voltando à arbitragem, como é que chegaste aos Jogos Olímpicos?
Foi um processo que começou em 2010. Em 2012, recebi a nomeação para o meu primeiro jogo, na altura na 2a divisão de 7s. Foi na Polónia, num torneio cheio de emoções, comigo cheio de nervos mas onde acabei por fazer a final e acabei por ser convidado para a segunda etapa do Grand Prix (Dinamarca). A partir daí, foi sempre a subir durante 6 anos até conseguir entrar no Circuito Mundial. Tudo isto com muito trabalho à mistura (treinos individuais, participar nos treinos da selecção de 7s, observar muitos jogos) e com alguns sacrifícios pessoais porque, infelizmente, não somos uma federação rica, e tive que pagar para ir a Londres e ao Dubai para fazer torneios internacionais e ganhar essa experiência.
Mas não recebes para ir arbitrar esses jogos?
É curioso porque as pessoas pensam que recebo bem, mas na verdade, porque é considerado rugby amador, não recebo nada por ir apitar os jogos. Recebo as despesas de deslocação e alojamento mas mais nada. Nos Jogos Olímpicos é diferente, aí recebemos por cada jogo que fazemos, o que faz sentido porque estamos a arbitrar os melhores do mundo na modalidade.
Qual foi o momento mais alto nos Jogos?
Estar lá. Foi o objectivo de uma vida de arbitragem, o culminar de muitos anos de trabalho e esforço. Ainda por mais porque dois meses antes de ir para Tokyo, lesionei-me e tive em risco de não conseguir ir. Lá, fiz três jogos nos homens, incluindo o 7o lugar e fiz mais quatro nos femininos, incluindo os quartos de final. Foi talvez este o jogo mais marcante (Australia-Fiji), em que as Fijianas ganharam às campeãs olímpicas num jogo muito intenso, bastante mediático. Saí do campo com a sensação de ter feito um bom jogo mas é impossível ficar indiferente à tristeza de algumas jogadores, totalmente destroçadas, por terem perdido o jogo.
Há pouco falaste de treinos, como é a tua semana a nível de preparação?
Treino, no mínimo, três vezes por semana mais ginásio onde faço circuitos. Também corro, com amigos, e também faço treinos específicos onde me foco em velocidade, ou em reação. Os treinos também variam, consoante em que altura da época estamos e se vou arbitrar XV ou 7s. Para além disso, faço a parte de observação de jogos e a parte psicológica: neste momento estou a ser acompanhado por um psicólogo de desporto, o que me permite abordar algumas situações a nível do erro e da pressão. E isto tudo, em cima de uma semana de trabalho… Felizmente, neste momento, estou a trabalhar na a Federação Portuguesa de Rugby, no departamento de Desenvolvimento e Formação, o que me permite ter um pouco mais de tempo para viajar e continuar a treinar e a arbitrar.
Se pudesses dar um conselho a alguém que queira ser árbitro de rugby, o que dirias?
Penso que quem quiser ser árbitro, tem que gostar mesmo da modalidade. Ser árbitro é uma excelente alternativa a quem não pode jogar. Se calhar, ser treinador, demora-se mais tempo até se lá chegar, mas para ser árbitro, não precisamos de esperar muito tempo. Além disso, temos um papel activo no jogo – não é por acaso que dizem que o árbitro tem o melhor lugar na casa para ver o jogo. E se tudo correr bem, ainda nos pagam uma cerveja no final do jogo. Também conhecemos sítios que, se calhar, não teríamos a possibilidade de conhecer se não fosse pelo rugby e fazemos muitas e boas amizades durante isto tudo.
Há pouco falaste do futebol e da atenção que “rouba” ao rugby. A nível de arbitragem, que comparações consegues fazer entre as duas modalidades?
É um estilo de arbitragem completamente diferente. O futebol é um jogo muito mais reactivo, enquanto que no rugby conseguimos “prever” o que vai acontecer, o que é uma grande vantagem. Temos até o poder de evitar que existam faltas e podemos dizer aos jogadores para pararem, para não meterem as mãos, o que ajuda a dar fluidez ao jogo. No rugby, as leis estão feitas para punirem severamente quem as infringe o que é excelente para evitar ter 30 pessoas no campo à batatada. Felizmente, no rugby, já existe TMO há cerca de 20 anos, o que nos permitiu evoluir no protocolo, e ajudar à verdade desportiva. No futebol, o VAR é mais recente e ainda não tem a aceitação que tem no rugby. Enquanto as pessoas não respeitarem o VAR, a modalidade não vai beneficiar desta vantagem. Também não me parece que faça sentido ter um árbitro de segunda categoria a fazer de VAR em jogos de primeira divisão porque não está preparado para aquele nível de jogo.
E a nível de comunicações, achas que há vantagem em se poder ouvir o diálogo entre o árbitro e os jogadores?
Penso que o futebol ainda não está preparado para isso. No entanto, quando há uma decisão que vai para o VAR, penso que faria sentido criar-se uma bolha em que dizemos “OK, estamos ON” e onde podíamos ouvir o diálogo entre o árbitro e o VAR, e perceber a lógica e a razão por detrás da decisão. Acho que iria facilitar bastante a aceitação por parte do público e evitava um debate pós-jogo muito desnecessário. Para além disso, o respeito no rugby é muito diferente do futebol onde existem expressões muito próprias e um certo vernáculo e, se as comunicações fossem públicas, ia desproteger a indústria do futebol.
A nível de carreira, que ambições tens?
Agora em 2022 vou para os Estados Unidos durante 5 meses para arbitrar a Major League Rugby, a convite da World Rugby. A minha carreira de 7s está a chegar ao fim – não sei se vou estar em Paris em 2024 mas se conseguisse, era uma excelente maneira de a terminar – e por isso tenho que repensar a minha carreira de XV e esta é uma excelente oportunidade para isso. Vou poder viver a vida de árbitro profissional, 7 dias por semana. Em 2021 tive a oportunidade de conseguir fazer dois jogos no Rugby Europe Championship (Geórgia-Rússia e o Geórgia-Roménia), o que foi também uma excelente oportunidade.
Ainda vou fazer 4 etapas do Circuito Mundial de 7s e depois vou para os Estados Unidos (até Junho). Se tudo correr bem, ainda há a hipotese de ir fazer o Campeonato do Mundo de 7s na África do Sul.